Artigo: Quebra de patentes, vacinas e COVID-19

Luiz Maia


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Todos sabemos que o tema divide especialistas, mundo afora. Entre economistas, contudo, a grande maioria reconhece que quebrar patentes é, em geral, medida populista e contraproducente: eleva-se muito o risco dos projetos de pesquisa e inovação, reduzem-se os investimentos e, como sociedade, nos tornamos mais vulneráveis - no longo prazo. Mesmo o argumento de que vale à pena quebrar patentes para salvar vidas pode ser questionado: valeria à pena salvar uma vida hoje ao custo de condenar as vítimas de uma próxima pandemia?

O princípio de que há ganhos sociais na proteção à propriedade intelectual é verdadeiro, mas não se aplica à realidade em discussão, por pelo menos duas razões que não vem sendo devidamente discutidas.

Em primeiro lugar, vacinas são bens públicos, em grande medida; um bem privado costuma ser "rival" (o meu usufruto do bem impede que outros também se satisfaçam) e "excluível" (só quem paga, pode usufruir). No caso das vacinas, temos um produto não-rival (ao me imunizar, protejo minha família e meus colegas de trabalho) e não-excluível (os antivacinas sempre se beneficiam da imunidade de rebanho que os vacinados promovem).

Note: para os bens públicos, há - mundo afora - diferentes arranjos visando garantir sua criação e produção. Um deles é a concessão do direito de propriedade intelectual e exploração comercial, aqui discutido. A produção estatal (Universidades Federais, Butantan e Fiocruz), as subvenções (bolsas de produtividade na pesquisa) e subsídios à inovação (FINEP, BNDES) são bons exemplos, com resultados variados.

Contudo, a proteção à patente e sua exploração comercial não é o melhor arranjo, hoje, por um motivo fundamental (e aqui vem a segunda razão para não aplicação do princípio "geral"): o tempo. Conforme o tempo passa e o vírus circula, novas cepas vão surgindo e criando ondas de infecção. Não há tempo para que o desenvolvedor da vacina produza e venda volumes suficientes... antes que a circulação global do vírus permita consecutivas mutações e, em última instância, a própria obsolescência do imunizante. Corremos risco, portanto, de proteger os direitos de uma empresa que, daqui a dois ou três meses, perderá seu ativo mais valioso. E estaremos todos olhando uns para os outros, perplexos.

Sendo pragmático: é preciso negociar a suspensão da patente, indenizar o desenvolvedor e, com sua participação, não apenas massificar a produção, mas também desenvolver linhagens novas de imunizantes - até que a transmissão comunitária seja interrompida - nos 5 continentes.

Sem pensamento sistêmico, não vamos superar problemas sistêmicos.

Luiz Maia
Professor de Economia e Finanças da UFRPE
Membro Fundador do Site Cenaristas


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