Recuperação em 2021
Luiz Maia
A edição de janeiro/21 do Global Economic Prospects, do Banco Mundial, traz reflexões muito oportunas sobre as perspectivas de recuperação econômica nos próximos 2 anos. Ao tratar as grandes questões sob ótica regional, olhando a América Latina como um todo, os autores acabam trazendo destaques que complementam o insistente (e necessário) alerta dos economistas brasileiros sobre a questão fiscal – particularmente aguda em nosso país.
No estudo, foram identificadas (entre outras coisas) 5 variáveis – em tese – determinantes para a qualidade da recuperação econômica na América Latina:
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(1) Ritmo da vacinação;
(2) Nível de confiança de empresas e consumidores;
(3) Aperto no crédito (elevação de taxas de juros, menor acesso);
(4) Efetividade de governos na gestão de agendas sociais;
(5) Impactos persistentes da pandemia, sobretudo no setor de serviços.
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Em relação aos itens (1) e (4), é possível prever que registraremos grandes disparidades intrarregionais; por serem agendas em que a gestão local ganha protagonismo, a desigualdade na capacidade de execução deve se manifestar – uma vez mais. Vários estados do Brasil, além de São Paulo, podem surpreender positivamente. O item (2), por sua vez, relativo ao grau de confiança dos agentes e seu impacto nas decisões de investimento e consumo, depende muito da agenda de reformas no Congresso Nacional. Infelizmente, as tensões crescentes entre parlamento e executivo preocupam bastante. Precisaremos torcer para que a disputa pela Presidência da Câmara não deixe maiores sequelas.
Quanto ao crédito, vale lembrar que a taxa básica de juros, hoje, é menor do que a inflação – indicando que aplicações em títulos públicos PERDEM valor com o passar do tempo. É muito provável que a Selic suba para algo em torno de 4%, no primeiro semestre... elevando também as taxas para capital de giro. Se a inflação ceder a partir de março, contudo, esse movimento não comprometerá as perspectivas para o ano.
Por fim, vale olhar com muito cuidado em 2021 para o setor de serviços – incluindo, claro, desde a construção civil (capaz de empregar grandes contingentes de trabalhadores), passando pela hotelaria, bares e restaurantes, indo até a saúde, onde todos depositamos nossas esperanças. Seria repetitivo mencionar as profundas mudanças tecnológicas, regulatórias (tributárias?) e, consequentemente, na estrutura de concorrência por que passa o chamado “lado da oferta”, nos setores de serviço? Improvável. De minha parte, tenho dificuldade em me ver almoçando em um restaurante self-service depois da pandemia... algumas coisas não devem "voltar ao normal", e os serviços deverão se reinventar.
Em todo caso, temos uma grande incerteza na demanda por serviços, e ela diz respeito a qual país buscaremos (re)construir nesta nova década. Podemos dizer que se trata de uma encruzilhada, há tempos diante de nós: seguiremos investindo todas as fichas em medidas emergenciais e assistencialistas, com o agigantamento do SUS, o comprometimento de suas forças e a ampliação de suas fraquezas... ou despertaremos para a necessidade de fomentarmos a geração local de emprego, sua formalização e atualização tecnológica – sem a qual, cidadãos têm apenas o SUS como opção? Vamos seguir acreditando que a (necessária) agenda de melhorias no ambiente de negócios vai gerar emprego e renda para todos? Ou nos daremos conta finalmente de que a grande riqueza do nosso país, nossa gente, segue excluída do mercado de trabalho e impedida de construir sua autonomia?
Decifra-me ou te devoro.
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Luiz Maia
Professor de Economia e Finanças da UFRPE
Membro fundador do Cenaristas